Uma breve história do violão - Por Renan Fontes



    O violão é sem dúvida um dos instrumentos mais populares e versáteis já produzido pelo homem, além de ser também o precursor da guitarra, baixo e derivados, sendo, assim, um dos grandes responsáveis pela existência de várias das linguagens e estilos musicais atuais, de todas as vertentes do rock ao arrocha. Mas, antes de chegar ao instrumento moderno, com diversos recursos eletrônicos que ampliam ainda mais suas possibilidades sonoras, percorreu uma longa história através de vários séculos.
    Violão é uma denominação utilizada apenas na língua portuguesa. Essa palavra provém, segundo Norton Dudeque, (1) de fidicula, diminutivo de fides. De fidicula teriam surgido as variações fithele, vielle, viole, viola, vigola, viula, vihuela, vyuela e vigüela.(2) Em Portugal, um instrumento que se assemelha à viola caipira brasileira era um dos que recebiam algumas dessas denominações. E, para diferenciá-lo de um instrumento parecido, importado da Espanha, os lusitanos passaram a utilizar a seguinte divisão: viola portuguesa e violão espanhol, já que o segundo era maior que o primeiro. Em outros idiomas o substantivo utilizado para esse instrumento deriva da palavra grega kytara. Dessa forma, temos: guitarra, guitare, gitarre, guiterre, guiterne, guithern, guitar, chitarra, etc. 
    Alguns autores consideram que o instrumento atualmente conhecido como guitarra ou violão seria uma variação do alaúde, levado à Europa pelos árabes; outros que ele seria uma transformação da cítara grega ou romana. No verbete violão do Dicionário Grove de Música, encontramos o seguinte: “não se sabe se o instrumento, com o nome de “guitarra”, foi introduzido na Europa medieval pelos árabes ou se era nativo do continente. Termos relacionados a “guitarra” ocorrem na literatura medieval a partir do séc. XIII [...]”. (3)
    De qualquer forma, Dudeque considera em sua História do Violão que o instrumento mais antigo que mais se aproxima do violão atual seria a vihuela espanhola, que teria surgido no século XIV (4) . A vihuela possuía seis ordens de cordas duplas, aproximando-se nesse aspecto dos violões de doze cordas atuais. 
    Como para a maioria dos instrumentos da época, não existia uma afinação absoluta para as vihuelas. Mas, de acordo com Dudeque, a maioria dos instrumentistas seguia o padrão: 4ª justa, 4ª justa, 3ª maior, 4ª justa e 4ª justa; a partir da corda mais grave. Esse padrão, como podemos perceber, é bem próximo da afinação atual (4ª justa, 4ª justa, 4ª justa, 3ª maior, 4ª justa). Cada corda possuía um par afinado uma oitava abaixo ou em uníssono, como uma forma de amplificar o som fraco do instrumento.
    Além da vihuela, no período conhecido como renascença, havia uma guitarra de quatro ordens (oito cordas), que também se tornou bastante popular. Os compositores da época, segundo Luís L. Henrique, (5) escreviam para os dois instrumentos, que coexistiam na Espanha e disputavam o gosto popular. Parece que a vihuela caiu em desuso em meados do século XVII e a guitarra “venceu a batalha”, afinal, a partir de sucessivas transformações na guitarra de quatro ordens, chegamos ao violão atual. 
    A primeira mudança ocorrida na guitarra, segundo Luís Henrique, ocorreu no final do século XVI, quando, às quatro ordens já existentes, foi adicionada mais uma, conferindo à guitarra de quatro ordens o título de guitarra de cinco ordens. A corda mais aguda podia ser simples, quando recebia o nome de chanterelle. (6)
    Dudeque defende que os estilos musicais, surgidos nos períodos conhecidos como rococó e clássico, foram muito importantes para mais transformações ocorridas na guitarra a partir de então. Segundo ele, a guitarra passou a possuir uma afinação mais definida e “aproximadamente em 1750, a guitarra de cinco ordens sofreu uma transformação radical, tornando-se um instrumento com bourdons nas quarta e quinta ordens, com a adição, mais tarde, de uma sexta corda ou ordem.” (7) Isso significa dizer que, nas ordens mais graves, uma corda era afinada uma oitava abaixo da outra. A partir de 1750, a guitarra passou por um período de transição, no qual foi acrescentada a sexta corda e as ordens de cordas duplas transformaram-se em cordas simples. Além disso, com o tempo, o formato de oito foi ficando cada vez mais acentuado e a guitarra clássica já era muito próxima em sua forma ao violão atual.
    Uma mudança importante e bastante curiosa que ocorreu foi a adoção de unhas compridas na mão direita pelos instrumentistas para a execução do instrumento. Importante, por conferir maior diversidade timbrística ao instrumento; curiosa pelos relatos da época, como o seguinte no qual Fernando Sor se refere a Aguado: “era necessário que a técnica de Aguado possuísse as excelentes qualidades que possui, para perdoar-lhe o uso de unhas, e ele mesmo teria renunciado ao seu uso se não tivesse logrado tal grau de agilidade, e nem se encontrasse num tal ponto da vida em que é difícil lutar contra um hábito adquirido por muito tempo.” (8) Hábito adquirido com o tempo ou preferência estilística, o que importa é que “a moda pegou” e hoje a unha comprida é indispensável para a execução do violão – claro que estou me referindo ao repertório “erudito”; além de mais tarde ser popularizado também o uso de palhetas e dedeiras de acordo com o estilo musical.
    De acordo com Dudeque “o violão moderno, tal como conhecemos hoje, é o resultado do trabalho desenvolvido no final do século XIX pelo luthier espanhol Antonio Torres Jurado (1817-1892).” (9) Antonio Jurado teria sido o luthier que definiu as medidas padrões do violão moderno, implantou o sistema de “parafusos-sem- fim” nas cravelhas e inventou o leque, “[...] conjunto de tiras de madeira coladas na parte interior do tampo harmônico e que asseguram uma melhor distribuição dos harmônicos e um equilíbrio sonoro maior [...]” (10) . Em 1946, a última adaptação foi feita no violão: a utilização das cordas de nylon no lugar das de tripa, o que conferiu maior qualidade na afinação, sonoridade e resistência.
    Assim, chegamos ao violão atual. Uma história digna de um instrumento popular e muito apreciado entre eruditos, populares, chorões, iniciantes, experientes, homens, mulheres, crianças, idosos...

Referências e notas:
(1) DUDEQUE, Norton – História do Violão, p. 9.
(2) Esses termos eram utilizados na literatura medieval e renascentista de forma muito
confusa, podendo se referir algumas vezes ao mesmo instrumento e em outras a
instrumentos diferentes.
(3) Dicionário Grove de Música - Edição concisa, editado por Stanley Sadie, p. 996.
(4) DUDEQUE, Norton – História do Violão, p. 9.
(5) HENRIQUE, Luís L. – Instrumentos Musicais, p. 158.
(6) HENRIQUE, Luís L. – Instrumentos Musicais, p. 159.
(7) DUDEQUE, Norton – História do Violão, p. 51.
(8) DUDEQUE, Norton – História do Violão, p. 62. No livro, Dudeque não coloca referências
precisas de onde teria retirado esse relato.
(9) DUDEQUE, Norton – História do Violão, p. 77.
(10) DUDEQUE, Norton – História do Violão, p. 78.

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